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CARTA ABERTA ANAMMA


CARTA ABERTA ANAMMA

Projeto de Lei Substitutivo, elaborado pelo Deputado Mauro Pereira (PMDB/RS), apresentado na Comissão de Finanças e Tributação sobre Licenciamento Ambiental, de setembro de 2016

Essa carta visa esclarecer a sociedade sobre os riscos de açodada votação do Projeto de Lei Substitutivo, elaborado pelo Deputado Mauro Pereira (PMDB/RS), que, se aprovado como está, irá causar prejuízos à gestão ambiental no país, em especial às atividades a cargo dos órgãos municipais de meio ambiente.

O Projeto de Lei Substitutivo, assim, como o original PL 3729/2004, de autoria do nobre Deputado Ricardo Trípoli, visa compilar outros PLs de mesma natureza e disciplinar sobre o licenciamento ambiental em nível nacional, abarcando o modus operandi de todos entes federativos (nacional, estadual, distrital e municipal).

O presente Substitutivo é fruto de um trabalho da Comissão de Tributação e Finanças e não dialoga com outras comissões e muito menos com a sociedade. Note-se que sequer foi aberto algum canal hábil a oitiva da sociedade quanto ao conteúdo do referido documento.

Ocorre que o citado documento normativo enseja revisão no interesse não somente nacional, mas também local. Seu conteúdo abarca uma federalização do licenciamento ambiental em que se quer resolver problemas de grandes empreendimentos, deixando outros entes federativos à margem da discussão e amordaçados por regras federais, especialmente os Municípios.

Para tanto cabe aqui constar algumas considerações de interesse dos órgãos ambientais municipais de meio ambiente, os quais a ANAMMA representa:


1 – Municipalização do licenciamento ambiental e sua interface com o licenciamento em nível nacional


A elaboração da Lei Complementar 140, de 08 de dezembro de 2011 consolidou os fundamentos para a gestão ambiental plena pelos Municípios, bem como visou reduzir os conflitos de competências, especialmente no tocante à seara do licenciamento ambiental.

Todavia, ainda paira a necessidade de definição das atividades de impacto local e a consolidação de parcerias entre os entes federativos para a boa condução dos processos de licenciamento ambiental municipal.

Observe-se que o Projeto de Lei Substitutivo fez menção aos Municípios somente em três dispositivos específicos – no art. 6º, §2º (caso de dispensa de licenciamento ambiental), no art. 23 (ao mencionar respeito a outras modalidades de aprovação) e no art. 25 (ao definir a aplicabilidade da norma).

Ignorar o poder regulamentador dos Municípios nos licenciamentos de impacto local, bem como retirar sua oitiva dos outros licenciamento de impacto nacional ou regional afasta completamente tais entes federativos da gestão e do estabelecimento de normas locais, no âmbito de sua competência, confrontando, em decorrência, com a tríplice atribuição para fazer uso desse importante instrumento de gestão ambiental, que é o licenciamento ambiental.


2 – Objetividade, simplificação, eficiência de gestão e fomento a transparência e participação comunitária em sede de licenciamento ambiental


Apoiamos a elaboração de documentos objetivos, que veiculem diretrizes metodológicas e padronizadas sólidas (a exemplo dos Termos de Referência, Roteiros e Manuais) para afastar a subjetividade das decisões estatais, a efetividade dos mecanismos de oitiva da comunidade (Conselhos, audiências públicas) e órgãos gestores de Unidades de Conservação, bem como pela transparência dos atos e processos envidados no procedimento administrativo, com publicações em diário oficial e sites, desburocratização e informatização total do processo, a gestão da informação por meio da confecção de um banco de dados de informações ambientais (sistematizado e georeferenciado), com o fim de minimizar a judicialização de processos, especialmente os iniciados pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal.

É necessário afastar a gestão de processos burocráticos, eivada de formalismos desnecessários e investir em leitura técnica e comunitária quantitativas e qualitativas.

Mas a bandeira da eficiência não pode vir acompanhada de dispositivos legais que visam privilegiar apenas alguns setores específicos, como os ruralistas, afastando outros setores, como é o caso dos Municípios.


3 – Carência de Técnica Legislativa


A redação apresentada no Substitutivo em foco apresenta baixa técnica legislativa, o que impede uma interpretação de diversos artigos de forma uníssona, podendo ocasionar a insegurança técnica e jurídica, bem como avalanches de demandas judiciais. Nem governo, nem iniciativa privada e muito menos a sociedade quer que os processos decisórios sobre empreendimentos padeçam de conflitos carreados por ação popular, ação civil públicas da sociedade, das Organizações Não Governamentais e especialmente do Ministério Público, junto ao Poder Judiciário, o que por certo prejudicaria o desenvolvimento da Nação, com importantes impactos, inclusive no âmbito local.


4 – Das modalidades de licenciamento ambiental


O Projeto de Lei Substitutivo prevê quatro modalidades de licenciamento ambiental: o ordinário, o unificado, o por adesão e compromisso e a dispensa de licenciamento.

Em nível estadual, as definições das tipologias de licenciamento ficará livremente a cargo a cada Estado, o que gerará, no mínimo, uma disputa entre tais entes federativos para angariar empreendimentos em seu território, utilizando-se das medidas de flexibilização do licenciamento ambiental, notadamente neste momento de profunda crise econômica e falência estatal.

Dessa forma, os Estados rigorosos vão perder, os Estados flexibilizadores vão ganhar a curto prazo, mas a médio e longo prazos quem perde é a sociedade e o meio ambiente.

Se não bastasse o Projeto de Lei Substitutivo sequer estabelecer diretrizes básicas para o licenciamento em nível estadual e, o pior, deixa completamente à margem a competência municipal, que já foi outrora maculada pela Lei Complementar nº 140/11 ao conferir aos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente o poder de estabelecer as tipologias de interesse local e, agora é dado a último tiro de misericórdia pelo presente PL ao ignorar o interesse local.

Sobre as modalidades de licenciamento ambiental, temos apontar que o licenciamento trifásico (ou por fases) é apenas mencionado no texto, o que, no mínimo, quer indicar, seu desprestígio frente ao sistema normativo que se quer impor. Sequer o Projeto de Lei Substitutivo esclarece quais os empreendimentos que exigirá tal procedimento.


Este é um ponto de relevante preocupação porque aqui mostra-se o perigo de se afastar a escolha do Município em manejar a modalidade de licenciamento, de acordo com o seu interesse local, razão pela qual pleiteamos a revisão estrutural da minuta no sentido de garantir a devida autonomia ao ente federativo municipal na condução de seu processo e procedimento de licenciamento ambiental.

Em relação à dispensa de licenciamento ambiental, Projeto de Lei Substitutivo estabelece que todas as atividades agropecuárias e florestais são dispensadas de licenciamento ambiental, desacompanhada de suas especificações (localização, natureza, potencial poluidor, tipo de impacto, entre outros).

Entendemos que um documento normativo que objetiva regulamentar um instrumento de gestão ambiental para todos os entes federativos não deve listar casos exclusivos de dispensa, sob pena de incluir em demasia alguns setores e deixar de abarcar outros (como explicitamente o fez). Caberia ao Conama e aos Conselhos estaduais e municipais de meio ambiente definirem os casos que requerem licenciamento e os que estão dispensados, dentro dos seus peculiares interesses.

Neste ponto, indagamos porque somente o setor rural é beneficiado com esse “cheque em branco”?

5 – Da necessária oitiva dos Municípios no licenciamento ambiental a cargo de outros entes federativos


Esse é um dos mais críticos pontos do Projeto de Lei Substitutivo, eis que a retirada dos documentos basilares como certidão de conformidade com o plano diretor e lei de uso e ocupação solo, bem como exame técnico municipal acarretará não somente um transtorno aos empreendedores, como também para o órgão licenciador, uma vez que não analisa em sede do impacto ambiental de sua competência (nacional, regional ou estadual) questões peculiares de ordem local, sejam urbanísticas, sejam, ambientais.

Além disso, corre-se o risco de proceder ao licenciamento ambiental antes de tomar conhecimento se a atividade ou empreendimento podem se dar naquele local, acarretando em desperdício de tempo e recursos financeiros, caso a inviabilidade (ou não conformidade com a legislação local) só venha a ser identificada em um momento posterior.

De fato, o conhecimento das condicionantes e restrições do Plano Diretor do Município se dá pela razão de que o referido documento abarca as diretrizes tanto da área urbana quanto rural, nos termos do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/01), sendo que o referido documento é detalhado por outras legislações de cunho urbanístico, como a lei de uso e ocupação do solo, parcelamento do solo, código de obras, tombamentos ou outras áreas com regramento de ocupação, que podem interferir na decisão de emissão da primeira licença ambiental a ser concedida, especialmente no que toca ao fator localização do empreendimento (zoneamento, diretrizes viárias, equipamentos urbanos, entre outros).

Ademais, caso se mantenha a visão de total exclusão dos Municípios, os órgãos licenciadores apenas analisarão os impactos quanto as obras/atividades, não se atentando sequer para as condições de infraestrutura já existentes do local.

O exame técnico municipal, de caráter ambiental, dá-se pelo fato de que o documento veicula a política, normas e estudos ambientais locais, o que possibilita que o órgão licenciador e o empreendedor de antemão já conheça as políticas restrições de caráter ambiental constante da legislação municipal, trazendo maior segurança ao processo de licenciamento de impacto nacional, regional ou estadual.

Ademais, a atual legislação já prevê a exigência do Exame Técnico Municipal, conforme preconiza a Resolução Conama 237/97, arts. 4º, §1º e 5º, parágrafo único, Resolução Conama 01/86, arts. 5º, parágrafo único e 6º, parágrafo único, e Lei Complementar 140/11, art, 13, §1º.

De qualquer forma, ambos os documentos municipais informam ao outro ente federativo as peculiaridades locais, em igual consonância com a Lei Complementar 140/11, art. 3º, IV, em que se pretende garantir a uniformidade da política ambiental para todo o País, respeitadas as peculiaridades regionais e locais.

Por fim, é importante aduzir que o exame técnico municipal consiste numa excelente e singular oportunidade para o Município elencar suas condicionantes, restrições e dialogar com a sociedade (comumente representada pelos Conselhos Municipais de Meio Ambiente) sobre os aspectos e impactos ambientais da obra, empreendimento ou atividade que ocorrerão nos seus limites territoriais.


6 – Da necessária participação dos órgãos intervenientes no licenciamento ambiental a cargos de todos os entes federativos


A participação dos órgãos intervenientes, ligados a Unidades de Conservação, preservação do patrimônio histórico e cultural, entre outros, foi desmerecida do documento em análise, retratado na simples opinião, o que não vincula o órgão licenciador.

Em relação aos órgãos gestores de Unidades de Conservação, a Lei 9.985/00, ao regulamentar o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII, da Constituição Federal, e instituir o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, conceituou Unidades de Conservação como “espaços territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção” (art. 2º, I).

A União, os Estados e os Municípios podem criar Unidades de Conservação (UC) em seu domínio, por qualquer ato normativo (Constituição Federal, art. 225, § 1º, III) estabelecendo-se o órgão gestor de cada UC, que, segundo a Lei 9.985/00, art. 36, §3º e Resolução Conama 428/10, nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos que afetem UC específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a só poderá ser concedido mediante autorização (se contemplar EIA) ou anuência (se referido EIA for dispensável) do órgão responsável por sua administração.


7 – Do controle social no licenciamento ambiental


A participação da sociedade, que sempre foi garantida por meio de audiências públicas, foi restringida ao estabelecer que o órgão licenciador poderá ou não exigir, ao seu exclusivo critério, tal instrumento de legítima participação democrática.


8 – Conclusão


Infelizmente temos acompanhado em sede de Congresso Nacional Projetos que visam adotar medidas de “licenciamento a jato” (a exemplo da PEC 65 e Projeto de Lei n.º 654/2015, ambas em trâmite no do Senado Federal), o que faz essa entidade se manifestar contra as duas propostas.

Já na Câmara Federal, resta claro que dos inúmeros substitutivos anexados ao Projeto de Lei nº 3.729/2004, o documento presidido pelo Deputado Mauro Pereira veicula um dos mais graves retrocessos à legislação afeta ao licenciamento ambiental.

Registre-se o esforço do Ministério do Meio Ambiente de propor Minuta de substitutivo de Lei Geral do Licenciamento tendo por base o texto do Dep. Ricardo Trípoli, texto este de cuja discussão interna ao MMA contou com a participação da Anamma e que não tem os problemas que ora apontamos no substitutivo do Dep. Mauro Pereira. Aquele texto reúne as condições de referenciar o debate legislativo para se chegar à Lei Geral que atenda aos anseios da sociedade brasileira e mantenha coerência com os compromissos brasileiros assumidos com as agendas internacionais, como nos debates do clima nas recém realizadas COP 21 e COP 22.

Diante do exposto, essa entidade manifesta a sua preocupação com a aprovação do Projeto de Lei Substitutivo, que demanda debate técnico qualificado do ponto de vista científico, institucional e, especialmente junto a sociedade civil como forma de assegurar, inclusive, o aperfeiçoamento da legislação ambiental brasileira e de nossa democracia.


Rogério Menezes Presidente Nacional da ANAMMA

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